Yunk Vino: Uma Crítica Perdida
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Refletindo sobre uma música que gosto, "Outro" do Yunk Vino, percebo que ela tinha tudo para ser uma crítica contundente sobre as diferenças de classes e os choques entre realidades opostas, principalmente quando fala sobre o uso de cocaína, que é frequente na alta sociedade, e reflete sobre o seu lugar nesse mundo luxuoso. Mas, no decorrer da música, essa crítica se perde no hedonismo e na festa da ostentação, deixando de explorar de forma mais profunda a dualidade entre as raízes periféricas de Yunk e o universo da elite.
Se Yunk Vino tivesse explorado mais a fundo as contradições do sucesso no capitalismo, a música poderia ter sido muito mais impactante. No entanto, ele opta por reforçar a cultura do consumo. Ainda assim, a faixa retrata de forma crua uma transição comum: a aceitação do luxo por alguém que veio da periferia. Essa história é familiar para muitas pessoas e expõe que o luxo não é apenas um símbolo de conquista, mas também uma prisão dourada, capaz de alterar as energias e os valores de quem o persegue. Mesmo assim, a música perde a oportunidade de ser verdadeiramente transformadora.
Um dos trechos mais notáveis, "Wtf is this in your nose?", serve como um ponto de partida pra destacar o choque cultural entre as periferias e a elite, enfatizando como o consumo de cocaína, associado à alta classe, parece estranho para quem veio de um contexto onde o acesso às drogas segue padrões diferentes.
Quando Yunk afirma: "Nosso pique é ouro, nosso drink é outro, nosso mix é outro, nosso drip é outro, nosso vício é outro, igual acho que nenhum, eu sei quem é meu povo", ele reforça que, apesar de sua inserção nesse mundo de excessos, suas raízes permanecem, embora o luxo acabe por eclipsar isso ao longo da música.
A expressão "nosso vício é outro" sugere uma tentativa de distanciamento dos vícios da elite, mas também uma entrega aos prazeres do próprio ambiente. Outro trecho interessante é "ando me sentindo estranho, me sinto esquisito entre os passos de enemy, tudo aqui parece um sonho, ou pesadelo, eterno frenesi". Aqui, Vino reconhece o desconforto de ocupar esse novo espaço de luxo, consciente da efemeridade e ilusão desse estilo de vida. A referência a "remédio com Hennessey" funciona como uma metáfora potente para os perigos do hedonismo, uma escolha que o esgota física e mentalmente, mas que também lhe confere status e poder.
Por fim, a linha "sinto que mudou minha energy, preciso de um novo carro, mas só dá Mercedes" encapsula o paradoxo da ostentação: a consciência da conversão pessoal e o desejo incessante por mais, mesmo quando já se tem muito. É como se o Vino reconhecesse que sua busca por luxos materiais é tanto um sintoma quanto uma resposta ao ambiente em que se encontra, mas ele ainda não consegue romper com ele.
A música se torna, portanto, um reflexo da ambivalência de Yunk Vino: ele está ciente das armadilhas do luxo, mas, ao mesmo tempo, se deixa levar por elas. Essa dualidade poderia ter sido explorada de forma mais crítica e profunda, revelando as contradições e sacrifícios exigidos pelo sucesso em um sistema capitalista, especialmente para alguém oriundo da exclusão. Ao optar por não questionar as estruturas que o cercam, Vino acaba reproduzindo os valores da elite que, inicialmente, parecia observar com distanciamento. Assim, a obra reflete o dilema de muitos que, ao ascender socialmente, perdem a oportunidade de subverter ou transformar as narrativas de poder e consumo que os envolvem.